Durou cerca de 30 horas. Mas ao menos aconteceu. E quando aconteceu me dei conta de algo que antes era invisível aos meus olhos. Eu não encontro tristeza para onde quer que eu vá ou olhe. Eu tenho, sim, meus momentos de me sentir no fundo do poço, mas eu tenho momentos para sorrir. E são esses momentos, essas coisas e, mais frequentemente, essas pessoas a razão pela qual eu sou capaz de agüentar. Aguentar os inconstantes momentos de arrependimento, as inúmeras horas de angustia, os vários dias de pressão. Era por causa daquelas poucas horas para sorrir que eu conseguia ir adiante, que o meu até quando se estendia silenciosamente.
Porém, geralmente, minhas pausas para sorrir são curtas. São pequenas frações de um dia, pequenos momentos que compartilho com outras pessoas e que, então, elas conseguem me fazer sorrir. Esquecer momentaneamente a tristeza. Dessa vez, minha pausa para sorrir durou mais.
Minhas quase 30 horas para sorrir aconteceram no final de semana, ao lado de pessoas que conheço a pouco e outras que conheço há alguns anos. Foi muito bom poder tirar o peso de tudo por alguns instantes. O coração não ficava o tempo todo ansioso, angustiado. Era uma sensação muito boa mesmo.
Eram horas de aula, mas que acabavam se transformando em horas de cochichos animados. Fofoca, noticias ou mera conversa fiada para matar a saudade. Com minhas duas amigas de alguns anos, tenho muito o que falar. Temos histórias para contar sobre o mês que passamos separadas. E são histórias tão boas de ouvir! São familiares. Às vezes, vejo tudo que elas contam acontecer nitidamente em minha cabeça. Ouço até mesmo as vozes, com seus verdadeiros sons, sem inventar nada. E isso é bom. Mas, depois, acaba trazendo uma tristeza profunda para mim. A saudade. A saudade batendo bem forte, querendo estar lá, querendo fazer parte dessas histórias, não apenas imaginá-las ao serem contadas.
A aula continua. Algo sobre Leucemia é explicado lá na frente. Mas algo acontecendo ao meu lado me parece tão mais interessante, mais engraçado. É um desenho. Um jardim elaborado de mãos que provavelmente nunca foram muito boas com desenho. Esse jardim já tem dona. É dela. A Noiva. Um presente antecipado pelo casamento que será em breve e olhe que esse jardim tem até mesmo o perfume das flores. Quer dizer... Tem perfume, forte até demais para ter sido borrifado ali no meio da aula, mas não é o perfume exato de uma flor. Mas o que isso importa? O que importa os olhares zangados lançados na direção das 9 pessoas sentadas no fundo da sala? O que importa que estejam olhando pra gente? Estamos sorrindo. Estamos felizes. É isso que importa.
A aula chega ao fim. Aula? Ah, é mesmo estávamos na aula. E nem pense que só fiquei conversando e rindo na aula. Aprendi muitas coisas. Aprendi que o CD19 é o marcador de células B; aprendi que não existe o termo agudizar, mas, sim, crise blástica; aprendi que a leucocitose pode significar tanto uma leucemia quanto uma reação funcional; aprendi que acontece tanta rejeição em transplantes porque analisam apenas o HLA A, B e DR para saber se há compatibilidade, quando na verdade existem vários deles; aprendi que coleta-se 10ml da medula óssea para cada kg do paciente; aprendi porque a Camila não morreu em Laços de família, nesse caso mais porque o autor não deixou do que pelo curso real da própria doença. Aprendi muitas outras coisas, como estou vendo agora. O que faz eu sorrir agora, sabendo que tive meus momentos de alegria e aprendi ao mesmo tempo.
Depois da felicidade gerada pelo calor de estar com pessoas amigas, vem a felicidade pelo batimento desenfreado de meu coração ao ver “meu” noivo. Lindo. Apenas nessa palavra eu o descreveria. Se fosse possível, teria ficado olhando pra ele a noite toda, com a certeza que jamais iria me cansar. Queria mais do que apenas olhar, é claro. Mas há coisas (pessoas) que estão muito distante e além daquilo que podemos ter...
Deixando o coração bater normalmente de novo, volto ao calor dos braços amigos. Conversas. Sorrisos. Música. Cochicho. Armações. Correria. Gargalhadas. Foi assim até estarmos todas exaustas. E como foi difícil acordar no dia seguinte para ter mais aula! Mas estávamos todas lá. O sorriso ainda esteve presente nos meus lábios a manhã toda. Porém, aos poucos ia perdendo a força. Quanto mais perto de dizer tchau, mais o sorriso sumia.
E sumiu. Sumiu completamente quando me vi sozinha dentro de um ônibus gelado, com pessoas que nunca tinha visto e completamente a mercê de meus pensamentos, coisa que não aconteceu nas últimas horas. Ao sumir, deu lugar a teimosas e dolorosas lágrimas. Lágrimas que não fiz questão de limpar. Eram lágrimas que eu não quis derramar, mas também não fiz esforço algum para impedi-las. Esperava me sentir melhor quando elas cessassem. Não aconteceu, mas pelo menos tentei. As lágrimas, Peg, Ian, Jamie, Jeb, Jared e tantos outros personagens de um livro foram meus companheiros de viagem e de volta ao meu estado depressivo.
Tudo voltou. Infelizmente. Mas ao menos eu tive uma pausa maior do que uma fração de um dia ou poucas horas para estar sorrindo, para conseguir me desvencilhar de meus pensamentos tão massacrantes (na maioria das vezes). E, de alguma forma não muito forte, mas “tocável”, eu me sinto acalentada pela sensação de saber que eu terei novamente momentos para sorrir e que por causa desses momentos, por causa dessas pessoas que vão me ajudar nesses momentos, o meu até quando vai demorar muito para chegar ao seu limite máximo.
Poxa, que lindo... e que triste. =/
ResponderExcluirMas isso é a vida, cheia de momentos 'até quando', em contrapartida também nos dá várias dessas pequenas pausas para sorrir. Só precisamos saber lidar com elas.
Eu meio que entendo esse seu momento e fico feliz que vc tenha tido uma pausa maior... o que seria de nós sem essas pausas... quando estou nessas fases, procuro ocupar a cabeça pra não ter mto tempo pra pensar... vou assistir um filme, conversar com as amigas... qualquer coisa que me impeça de pensar... até exercício físico já tentei pra me distrair... a notícia boa é que um dia passa, a notícia não tão boa (pq não chega a ser ruim) é que pra q isso ocorra, depende mto de vc...
ResponderExcluirAtualmente tenho procurado viver um dia de cada vez, sem grandes expectativas... uns dias funciona, outros não, mas eu continuo tentando e desenvolvendo métodos...
Espero que logo vc possa dizer que tem raríssimos momentos de tristeza em meio à felicidade...
Marciana
ResponderExcluirInfelizmente, a vida é cheia de altos e baixos, neh? Quando estamos lá no alto, rindo à toa, é tudo tão bom. Mas quando chegamos na fase do baixo, tudo é tão mais difícil. =/
Duda
ResponderExcluirRealmente, sem essas pausas para sorrir não creio que chegariamos muito longe. Se não tivessemos esses pequenos, mas tão prazerosos momentos em meio a tantos outros de tristeza, não encontrariamos estimulo para continuar.
Eu tento fazer a mesma coisa. Ocupar a cabeça. Se eu deixar meus pensamentos livres, sai de perto, rs. Às vezes eu consigo, outras não. Estou tentando me reerguer aos pouquinhos.
Muito obrigada pelas palavras.
Bjo!